quinta-feira, 29 de novembro de 2007

kurt schwitters

Neste contexto lembro-me da primeira apresentação publica da Ursonate de Schwitters, na casa da senhora Kiepenheuer, em Postdam, por volta de 1924 ou 1925. Haviam sido convidadas as pessoas “de bem”, o que em Postdam, o baluarte militar do velho reino prussiano, significava uma grande quantidade de generais reformados e outras personalidades “ilustres”. Com os seus dois metros de altura, Schwitters encontrava-se de pé no pódio, e começou a declamar a Ursonate com sibilos, berros e cacarejos, diante de um público totalmente inexperiente em matéria de modernismo. No início, houve uma consternação geral. Mas após dois minutos o choque dissipou-se. Por mais meio minuto o respeito pela casa decorosa da senhora Kiepenheuer resfriou os protestos. Mas esta reserva apenas contribui para intensificar a tensão interior. Encantado observei como dois generais sentados à minha frente comprimiam os lábios com o maior esforço, a fim de não explodirem numa gargalhada, os seus rostos apoiados sobre colarinhos duros, primeiro ficaram vermelhos, e em seguida adquiriram uma coloração ligeiramente azulada. E então repentinamente, aconteceu algo pelo qual não se podiam responsabilizar: rebentaram de tanto rir, e o publico inteiro, liberto da tensão acumulada, explodiu numa orgia de gargalhadas. As distintas velhas senhoras, os rígidos generais resfolegavam de tanto que riam, batiam com as mãos nas coxas e tinham acessos de tosse.
Nada disto perturbou kurtchen. Ele apenas ajustou a sua voz treinada e possante ao volume dez , que passou a dominar as gargalhadas do público, de maneira que estas se transformaram em algo como música de fundo, acompanhando a récita da Ursonate. Era como se ao redor rugisse o mar, contra o qual dois mil anos antes Demóstenes havia erguido a força da sua voz. O tufão acalmou-se com a mesma rapidez com que tinha começado. Schwitters concluiu sem incidentes a declamação da sua “Sonata primordial”. O resultado foi fantástico.
Dada: kunst und antikunst / hans richter







u . r . s . o . n . a . t . e

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